Como a pesquisa com usuários salvou um projeto
Análise de um produto de agendamento de tatuagens
Contexto do projeto
Durante a pandemia, dois desenvolvedores me convidaram para tirar do papel a ideia de um aplicativo que facilitasse o agendamento de sessões de tatuagem — tanto para quem quer se tatuar quanto para os próprios tatuadores. Além disso, o app também buscava ajudar pessoas a encontrarem artistas de acordo com o estilo que procuravam.
Percebi desde o início que a proposta já partia de uma solução, sem antes compreender de fato qual era o problema enfrentado pelos usuários. Propus então uma etapa de pesquisa para levantar essas dores e validar se o app fazia sentido para o público que ele queria atender.
Planejamento da pesquisa
Organizei um formulário de pesquisa quantitativa, estruturado a partir de um roteiro focado em identificar o perfil dos possíveis usuários e entender como era a experiência deles nesse processo de agendamento de tatuagens, principalmente durante a pandemia.
Para isso, separei o formulário em dois fluxos: um para tatuadores e outro para clientes de tatuagem.
Perguntas para os tatuadores:
Qual a sua faixa etária?
A pandemia interferiu muito no seu trabalho? De que maneira?
Qual a frequência que você tatuava clientes antes da pandemia? E durante a pandemia?
Você já usou as redes sociais como ferramenta pro seu trabalho? Se sim, como? Se não, como faz seus agendamentos?
Pontos positivos e negativos de você mesmo fazer seus agendamentos. Se quisesse, também podia contar alguma história de perrengue.
O quão simples você sente que é pra marcar e fazer uma tatuagem num cliente? (escala de 1 a 10, sendo 1 para o mais complicado e 10 para o mais simples)
Quais dessas situações você já passou?
Não conseguir agendar uma tatuagem com o cliente
Dificuldade em conseguir clientes
Dificuldade em divulgar seu trabalho nas redes
Dificuldade em conseguir contato com seus clientes
Dificuldade em entender a ideia de tatuagem do cliente
Dificuldade em orçar preços
Falta de inspiração do que tatuar
Falta de praticidade com o pagamento
Falta de confiança na forma de pagar
Falta de compromisso por parte do cliente
Cliente receoso pela higiene do estúdio e equipamento
Muito tempo entre o agendamento até a realização da tatuagem
Questionamento do valor do trabalho por parte do cliente
Indecisão do cliente
Estúdios fechando durante a pandemia
Perguntas para os clientes:
Qual a sua faixa etária?
A pandemia interferiu muito no seu consumo de tatuagens? De que maneira?
Qual a frequência que você tatuava clientes antes da pandemia? E durante a pandemia?
Qual a frequência que você costuma tatuar? E qual era durante a pandemia?
Pontos positivos e negativos de você mesmo fazer seus agendamentos. Se quisesse, também podia contar alguma história de perrengue.
O quão simples você sente que é pra marcar e fazer uma tatuagem? (escala de 1 a 10, sendo 1 para o mais complicado e 10 para o mais simples)
Quais dessas situações você já passou?
Não saber como marcar uma tatuagem
Não saber a localização do estúdio com clareza
Não saber como a tatuagem vai ficar no meu corpo
Dificuldade em conseguir contato com o tatuador
Dificuldade em acessar trabalhos anteriores do tatuador
Dificuldade em saber o catálogo de "flash tattoos"
Dificuldade em acessar quais artes estão disponíveis
Dificuldade em explicar sua ideia de tatuagem
Dificuldade de encontrar o estilo de arte que procuro
Indecisão entre tatuagens
Falta de inspiração do que tatuar em mim
Falta de praticidade com o pagamento
Falta de confiança na forma de pagar
Falta de confiança no trabalho do profissional
Falta de acessibilidade para Pessoas com Deficiência (PcD)
Medo de se arrepender depois
Receio pela higiene do estúdio e seu equipamento
Preço fora de meu orçamento
Poucas informações sobre a localização do estúdio
Muito tempo entre o agendamento até a realização da tatuagem
Estúdios fechando durante a pandemia
Amostra das perguntas
Divulgamos o formulário em grupos de redes sociais, perfis de tatuadores e com conhecidos que tinham interesse no assunto. Tivemos um retorno muito bom: foram 73 respostas no total, sendo 66 de clientes e 7 de tatuadores, o que deu uma amostra interessante para analisar.
Análise dos clientes
Consumo de tatuagens durante a pandemia
O que isso revela:
O mercado de tatuagens mostrou resiliência. O comportamento do público não foi significativamente alterado pela pandemia — sugerindo que o interesse se manteve, apesar de possíveis dificuldades logísticas.
Facilidade no processo
Coletamos a percepção dos clientes sobre a facilidade de agendar uma tatuagem, numa escala de 1 (muito difícil) a 10 (muito fácil). Com base nas 66 respostas, simplificamos os resultados em três grandes blocos:
O que isso revela:
O processo atual de encontrar e agendar com tatuadores não é visto como um grande obstáculo.
Isso reduz a urgência por uma solução digital disruptiva.
Dores reais, soluções possíveis e fronteiras do escopo
Dores com potencial de solução digital
Após analisar e cruzar algumas respostas, conseguimos identificar as 3 principais dores dos clientes que tinham potencial de solução através de meios digitais, como por exemplo um aplicativo como os desenvolvedores suspeitavam.
Dores comportamentais ou estruturais que não caberia ao app resolver:
O mesmo foi feito, mas para questões que estavam fora do escopo do projeto, ou seja, seria necessário um investimento que não estava planejado para poder solucionar questões tão pontuais e ligadas ao comportamento.
Oportunidades não óbvias (análise qualitativa)
Alguns depoimentos trouxeram insights valiosos sobre nichos específicos, que, embora não representem a maioria, destacam oportunidades não óbvias:
Flash tattoos: a oferta limitada a dias específicos atrapalha a adesão. Uma solução possível seria um app que trouxesse galerias de flashs disponíveis para agendamento flexível.
Pele negra: há falta de especialização de tatuadores em estilos como aquarela. Um app poderia resolver isso com filtros por especialização em pele negra e portfólios segmentados por tom de pele.
Sessões longas: horários de 4 a 8 horas são incompatíveis com a rotina comercial de muitos clientes. Uma alternativa viável seria permitir agendamentos segmentados, com sessões curtas adaptadas à rotina.
O que isso revela:
O app poderia resolver parte das dores, mas não as principais. Além disso, considerando que a média de frequência de tatuagens é de uma por ano, o uso do app seria muito pontual. Com um uso tão baixo por parte dos clientes, surgiram dúvidas sobre o potencial da solução se sustentar apenas atendendo a dores tão específicas. Ainda assim, seguimos explorando a perspectiva dos tatuadores para entender se haveria mais pistas para desenvolver uma solução digital.
Análise dos tatuadores
Volume de trabalho
A queda foi causada por fatores macroeconômicos (medo de contágio, crise financeira), não por deficiências no processo de agendamento. Isso reforçou as suspeitas levantadas anteriormente pelas informações vistas na pesquisa com os usuários em relação aos agendamentos e dores reais que deveríamos estar procurando.
A Descoberta Crucial: O Problema Não Era o Que Pensávamos
A hipótese original era que o agendamento era uma dor para os tatuadores também. No entanto a realidade dos dados da facilidade do processo por parte dos tatuadores nos provou do contrário:
O que isso revela:
O agendamento não era um impeditivo para os tatuadores e a premissa central que me foi apresentada para produto, não era um problema real.
Facilidade do processo
A hipótese original era que o agendamento era uma dor para os tatuadores também. No entanto a realidade dos dados nos provou do contrário:
O que isso revela:
A descoberta crucial foi que o problema não era o que pensávamos, o agendamento não era um impeditivo para os tatuadores e a premissa central que me foi apresentada para produto, não era um dor real.
Dores Reais dos Tatuadores
Se o agendamento não era um problema, poderíamos ainda tentar ver outras formas de viabilizar uma solução digital, então analisamos as dores e chegamos a dois problemas principais
Dificuldade em conseguir clientes (visibilidade/marketing).
Clientes indecisos ou sem compromisso — problemas de comportamento e comunicação.
Uso das Redes Sociais e concorrência indireta
O Instagram continua sendo a principal plataforma para os tatuadores, apesar da falta de organização:
Mensagens se misturam entre orçamentos e conversas pessoais
Muitos usam o WhatsApp como extensão para organizar
Conflito de interesses e necessidades dos clientes e tatuadores
O que os CLIENTES buscam:
Querem um "shopping de ideias" - poder navegar visualmente por estilos, artistas e trabalhos prontos (como ver um catálogo).
Precisam de referências claras antes de decidir ("quero ver como fica no meu corpo").
Sofrem com excesso de opções e pouca organização nas redes sociais atuais.
O que os TATUADORES buscam:
Mais exposição para novos clientes encontrarem seu trabalho.
Menos "curiosos" e mais clientes decididos/prontos para agendar.
Menos tempo explicando o básico repetidamente.
Como poderíamos fazer isso?
Para satisfazer os clientes:
Investir em curadoria visual (catálogos, filtros, ferramentas de preview).
Educar os usuários a usarem essas ferramentas.
Para satisfazer os tatuadores:
Trazer clientes qualificados (não só visualizações).
Oferecer ferramentas que realmente economizem seu tempo.
Competir com o Instagram onde eles já estão estabelecidos.
Enquanto clientes querem um “Pinterest de tatuagens” para se inspirar, tatuadores precisam de um “LinkedIn profissional” para fechar negócios - o escopo atual do app não consegue ser as duas coisas bem o suficiente para justificar a migração em massa dos usuários.
Essa incompatibilidade de expectativas foi um dos motivos para abandonarmos o projeto - não por falta de necessidade no mercado, mas porque resolver as duas pontas simultaneamente seria complexo e caro demais para nosso contexto.
Insights finais
Após analisar o contexto foi possível chegar a 4 insights decisivos para o projeto.
1
A principal dor que queríamos resolver (agendamento) não era uma dor.
2
O público usaria o app raramente (1x ao ano), o que não seria sustentável para o produto.
3
As expectativas dos clientes e tatuadores se opõem e não conseguimos solucioná-las dentro dos limites do nosso escopo.
4
Instagram sendo um concorrente indireto de grande porte.
Conclusão: por que abandonar foi a decisão certa
Criar um app para um problema inexistente seria desperdício de tempo e dinheiro. A pesquisa possibilitou que recursos não fossem investidos em uma solução mal direcionada.
Graças a minha investigação como ux/ui designer, tivemos a oportunidade de ver quais eram as raízes do problema, antes que colocássemos a mão na massa e criar um app que não teria uma base sustentável de usuários.
Lição principal
Validar antes de desenvolver. Não assumir que algo é uma dor antes de comprovar e entender as necessidades de seus usuários para agir de acordo com elas.